sexta-feira, 6 de julho de 2012

Marias
(Retrato da infância)





Era tarde, passavam das três da manhã, um reboliço tomou conta da casa. As telhas vãs permitiam que as palavras, mesmo em tom baixo, transitassem livremente entre os cômodos  e desta forma Mariazinha despertou. Pessoas cochilavam, outras cochichavam. A menina, pelas frestas da porta,  podia ver o entra e sai de pessoas e sua mãe que, aflita, andava de um lado para o outro.  O que menos chamava atenção naquele momento era a presença de uma criança, e curiosa Mariazinha saiu a procurar o que causava  todo aquele burburinho. A sofrida Maria, sem palavras, assistia a tudo como quem tem um pesadelo. As horas passavam e se o sol chegasse traria à luz o que estava em  oculto. Maria preferia que ele não chegasse, ao menos naquele dia, ou que aquele dia não existisse. Porém, como  sol sempre trás tudo à luz,  não só os que cochilavam  e cochichavam saberiam sobre a casa de Maria; mas em poucas horas, como sangue, a notícia correria entre as ruas,  satisfazendo  ouvidos ávidos por novidades...
 Melhor seria que  Mariazinha não tivesse despertado, nem olhado entre as frestas e nem saído do quarto, pois, naquela madrugada, ela viu a vida chegar perto da morte e dar tchau a quem fica... A colcha de retalhos que envolvia o corpo pálido e lânguido de José, era o retrato do coração de sua mãe... José sobreviveu por mais alguns anos, mas seus sonhos morreram ali. Silenciosamente os anos foram passando, Mariazinha foi crescendo e Maria deixou de existir assim como José.


Búzios, 02/07/12
Marisa Costa