sábado, 25 de agosto de 2012






Às vezes e quase sempre 

Às vezes falante
Quase sempre calada demais
Ás vezes dispersa
Quase sempre atenta demais
Às vezes gargalhando
Quase sempre séria demais
Às vezes barro
Quase sempre tijolo demais
Às vezes pontual
Quase sempre atrasada demais
Mas sempre sendo eu
Meio furta-cor...
E apesar disso
Há quem me ame demais
Que bom!

Búzios, 26/08/12
Marisa Costa

segunda-feira, 13 de agosto de 2012









Chica fuxica


Ela tá lá, sentada na soleira da porta
Com lápis e papel na mão
O mundo parece nem existir
Ô mulher descansada!
Dizia Chica

Maria entrou em seu mundo secreto, fechou portas e janelas, a ninguém mais quis ver ou ouvir.
As palavras fluíam, fluíam...na mesma proporção que a poeira se depositava sobre os móveis.
Lembranças se misturavam aos pensamentos, e suas mãos discorriam sobre o papel na mesma
velocidade que a louça se acumulava sobre a pia, aquele, definitivamente, não era dia para outra
coisa que não fosse poetizar...

Ela tá lá, sentada na soleira da porta
E hoje nem é domingo
O marido saiu cedo
Eu vi pela fresta da janela!

Para Maria bastava o dia ser dia, pois a noite viria sem pressa. Seus olhos estavam postos
no que era invisível aos olhos alheios. De certo que as contas viriam e José chegaria para o jantar,
sim, e talvez trouxesse um ou dois amigos além, mas inventar na cozinha era uma arte que herdou de sua mãe.  Maria, como ninguém, economizava  para as contas e a limpeza da casa ela tirava de letra,
assim como tirava os poemas na soleira da porta,  e disso Chica não sabia...

Búzios, 12/08/07
Marisa Costa





sexta-feira, 10 de agosto de 2012























Insensíveis

São seres como
Água morna na hora da sede
Pedra que fura os pés
Comida sem sal
Jardim sem flor
Rosa sem cheiro
Casaco que não esquenta
Rio sem rumo
Boca sem beijo
Língua que amarga
Braços sem abraço
Pássaro sem asas
Tarde sem pôr de sol
Manhã sem orvalho
Café ralo
Cor desbotada
Caneta sem tinta
Lamparina seca
Coração seco
Raiz esturricada
Moldura sem tela
Livro sem páginas
Instrumento intangível
Orquestra sem som
Conjunto vazio
Maçã sem semente
Vida sem Graça...

Búzios,10/08/12
Marisa Costa











sexta-feira, 6 de julho de 2012

Marias
(Retrato da infância)





Era tarde, passavam das três da manhã, um reboliço tomou conta da casa. As telhas vãs permitiam que as palavras, mesmo em tom baixo, transitassem livremente entre os cômodos  e desta forma Mariazinha despertou. Pessoas cochilavam, outras cochichavam. A menina, pelas frestas da porta,  podia ver o entra e sai de pessoas e sua mãe que, aflita, andava de um lado para o outro.  O que menos chamava atenção naquele momento era a presença de uma criança, e curiosa Mariazinha saiu a procurar o que causava  todo aquele burburinho. A sofrida Maria, sem palavras, assistia a tudo como quem tem um pesadelo. As horas passavam e se o sol chegasse traria à luz o que estava em  oculto. Maria preferia que ele não chegasse, ao menos naquele dia, ou que aquele dia não existisse. Porém, como  sol sempre trás tudo à luz,  não só os que cochilavam  e cochichavam saberiam sobre a casa de Maria; mas em poucas horas, como sangue, a notícia correria entre as ruas,  satisfazendo  ouvidos ávidos por novidades...
 Melhor seria que  Mariazinha não tivesse despertado, nem olhado entre as frestas e nem saído do quarto, pois, naquela madrugada, ela viu a vida chegar perto da morte e dar tchau a quem fica... A colcha de retalhos que envolvia o corpo pálido e lânguido de José, era o retrato do coração de sua mãe... José sobreviveu por mais alguns anos, mas seus sonhos morreram ali. Silenciosamente os anos foram passando, Mariazinha foi crescendo e Maria deixou de existir assim como José.


Búzios, 02/07/12
Marisa Costa

terça-feira, 19 de junho de 2012


Até que

Me rascunho o tempo inteiro
Apago aqui
Refaço ali
Acrescento acolá
E me apresento em esboço
Construo
Desfaço
Reconstruo
E assim me vejo
Até que venha o sol
Até que seja  dia perfeito...

Búzios, 19/06/12
Marisa Costa

sábado, 2 de junho de 2012





Então, cante!

Tal qual entalhador, que encontrou
Um nó na madeira e precisou empreender
Mais força, assim estou eu...

Hoje eu preciso buscar as cores
Encontrar os pincéis e fortalecer as mãos
Seguir em frente, colorindo o caminho
Extinguindo o cinza, colaborando com a vida

Hoje eu preciso cantarolar sem parar
O dia inteirinho
Espantar essa nhaca da alma...

Quem sabe um samba?
É! Por que não?
A mistura dos sons
Misturados às cores
Não dê força às mãos
E os nós se desfaçam?

Quem sabe o sol aparece
Dê brilho as cores
E anime o sons?

"Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!"
E quem sabe a noite não venha ilustrada
com tudo de mais belo que há?

Então cante!

Búzios, 02/06/12
Marisa Costa

terça-feira, 29 de maio de 2012








Plantar uma árvore, escrever um livro, ter um filho...e o que mais?


É, posso dizer que, em meus 49 anos,  ainda falta muito pra mim.


Da árvore, quero colher muitos frutos e repartir com quem não tem
Quero doar minha leitura àquele que não pode fazê-la
Quero abraçar os filhos dos meus filhos
Quero conhecer outros mundos  para entender que além do meu umbigo existe muito chão...
Quero romper com os pensamentos que aprisionam, que encaixotam
Quero não fazer parte de reuniões e discussões vazias
Quero dizer o que sinto sem precisar usar palavras e ser compreendida assim
Quero continuar a fazer minha pintura borrada...
Ainda falta muito pra mim.

Búzios,27/05/12
Marisa Costa